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O trabalho invisível da mulher: um valor que precisa ser reconhecido

É justo incluir do cálculo da pensão o trabalho diário da mulher que atua como educadora, cuidadora e gestora do lar? O Judiciário começa a dizer que sim

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Por Ana Flávia Sales e Cristhiane Simões Madureira

Você já parou para pensar no trabalho desenvolvido pela mulher enquanto esposa, mãe e profissional? Em muitos lares, especialmente após divórcios ou dissoluções de uniões estáveis, é comum que os filhos fiquem sob a guarda da mãe. Nesses casos, além de prover o sustento financeiro, a mulher assume diversas funções: cuidadora, educadora, cozinheira, psicóloga, entre outras. Esse conjunto de atividades, não remuneradas e invisíveis aos olhos da sociedade, constitui o que chamamos de "trabalho invisível".

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) proferiu uma decisão que reconhece o valor desse trabalho. Ao julgar um caso envolvendo uma mãe que deixou o mercado de trabalho para cuidar integralmente da casa e dos filhos, os desembargadores consideraram que essa dedicação tem valor econômico e deve ser levada em conta na hora de calcular a pensão alimentícia.

Essa decisão representa um avanço significativo na forma como o Judiciário enxerga o papel doméstico e parental feminino. Ela reconhece que o trabalho de cuidado, embora não remunerado, é essencial para o bem-estar e desenvolvimento dos filhos. Além disso, essa sobrecarga impacta diretamente na capacidade da mãe de buscar outras fontes de renda, limitando sua autonomia financeira.

É importante destacar que essa perspectiva não é isolada. Outros tribunais, como o de São Paulo, também têm adotado o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orienta os magistrados a considerarem as desigualdades de gênero nas decisões judiciais.

Gostaríamos de propor uma reflexão que nasce da vivência prática no exercício da advocacia: quem remunera a “empregada doméstica” que, diariamente, cozinha, lava, a e mantém o lar em ordem para os filhos? E a “pedagoga” que acompanha deveres escolares, participa de reuniões, orienta trabalhos e revisa conteúdos para as provas? E a “psicóloga” e “médica” de plantão, disponível 24 horas por dia, para acolher, cuidar, amparar? Mãe é tudo isso – e muitas vezes mais. Mulher é tudo isso. E ainda assim, esse trabalho imenso, contínuo e insubstituível permanece invisível e sem qualquer forma de remuneração ou compensação. Não seria justo que ele fosse considerado no valor da pensão alimentícia?

No nosso escritório de advocacia, temos acompanhado de perto essa realidade. São inúmeras as mulheres que, após o fim do relacionamento conjugal, assumem sozinhas a responsabilidade integral pela criação dos filhos, acumulando funções essenciais à formação e bem-estar das crianças – sem qualquer reconhecimento financeiro por isso. Diante dessa constatação, temos nos debruçado sobre o tema, refletido profundamente e desenvolvido teses jurídicas que buscam o reconhecimento efetivo desse trabalho invisível nas ações de fixação e revisão de alimentos.

A sobrecarga, contudo, não se restringe ao trabalho físico. Há também o peso silencioso da carga mental. Estudos na área da neurociência confirmam que o cérebro humano sofre desgaste significativo quando submetido a tomadas de decisão constantes ao longo do dia – o que especialistas denominam de “fadiga decisional”. E, nesse aspecto, a mulher tende a estar muito mais exposta.

Um exemplo: quando um pai recebe uma promoção, muda de local de trabalho ou decide iniciar um curso, geralmente ele simplesmente vai. Já a mulher, diante das mesmas oportunidades, precisa antes refletir: quem ficará com as crianças? Quem buscará na escola? Quem supervisionará as tarefas escolares? Quem organizará o lanche, as refeições, o banho, a rotina doméstica? Cada uma dessas questões representa uma decisão que consome energia cognitiva, emocional e física. Um planejamento invisível, mas exaustivo – e quase sempre solitário.

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Mais do que isso: para que consiga, ela própria, sair para trabalhar, a mulher é quem precisa articular toda a estrutura familiar prévia. É ela quem organiza horários, combina apoios, antecipa imprevistos e garante que tudo funcione em sua ausência. O custo dessa preparação – invisível, mas real – raramente é considerado ou partilhado. E cansa. Consome. É um esforço constante que esgota física e emocionalmente, ainda que muitas vezes e despercebido.

Diante disso, reconhecer o valor do trabalho invisível da mulher, inclusive aquele que esgota mentalmente, é um o essencial para promover a igualdade de gênero e garantir uma distribuição mais justa das responsabilidades parentais. É hora de dar visibilidade e valor a esse trabalho que, embora silencioso, é fundamental para a estrutura e o bem-estar das famílias.

Ana Flávia Sales é Advogada, Mestre e Professora de Direito Processual Civil
@advogadaanaflaviasales

Cristhiane Simões Madureira é Advogada
@cristhsimoes

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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