Ilana Nasser
Cofundadora da startup Vendah
Apesar de conquistas e avanços alcançados nas últimas décadas, a luta pela igualdade de gênero ainda está longe do fim. Durante a pandemia aconteceram regressões em âmbito global, inclusive no Brasil – é o que revela a recente pesquisa da ONU Mulheres em parceria com a Kantar, divulgada durante o Festival Cannes Lions.
Pensando especificamente no nosso país, quase 70% dos entrevistados afirmam que, nos meios de comunicação, as mulheres ainda são colocadas em seus papéis tradicionais – como mãe, esposa e cuidadora – enquanto 72% percebem os homens sendo retratados em papéis de líderes, empresários e provedores com mais frequência.
O poder de influência que essas representações têm na vida das pessoas, seus reflexos na cultura brasileira e no machismo estrutural criam um padrão que se retroalimenta. Afinal, nos acostumamos a ver mulheres como dependentes e em posições de colaboração, mas não de protagonismo, o que nos faz continuar reproduzindo estes estereótipos no imaginário popular e, consequentemente, reproduzindo falas, atitudes e comportamentos machistas.
Ao mesmo tempo em que 80% dos brasileiros acham que um bom salário é a melhor forma das mulheres se tornarem independentes, 37% acreditam que as mulheres devem trabalhar menos, para que possam se dedicar mais aos cuidados com a família e 19% acham que o trabalho do homem é “ganhar dinheiro”, enquanto o trabalho da mulher é “cuidar da casa e da família.”
Para se ter uma ideia da gravidade da situação, até mesmo o problema global do desemprego durante a pandemia afetou muito mais as mulheres do que os homens e uma análise feita pela consultoria McKinsey evidenciou essa realidade: a proporção de homens demitidos para mulheres é de 1 para 1,8, ou seja, quase o dobro de mulheres ficaram sem emprego na comparação com os homens. Inclusive, muitas mulheres que aram a se sustentar por meio das vendas diretas vieram deste cenário: recém-desligadas de seus empregos e com diversas tarefas domésticas acumuladas, elas estavam sem dinheiro e tempo.
Dados como estes revelam uma contradição que não deve ser ignorada: de nada adianta acreditar nos ideais de igualdade de gênero se não lutarmos por eles. Sem independência financeira, a liberdade e autonomia ficam muito distantes de se tornar padrão.
Garantir às mulheres não somente o direito de serem independentes, mas também criar condições para que elas busquem sua independência é um dever que nós, como sociedade, devemos assumir. A mulher pode, sim, ser feliz e realizada como esposa, mãe e dona de casa, mas o empoderamento financeiro nunca deve ser deixado de lado, justamente para garantir que ela sempre tenha poder de escolha sobre a própria vida.
A romantização da sobrecarga de mulheres que precisam ser cuidadoras, cozinheiras, motoristas, faxineiras e tantas outras funções acumuladas não é algo com o qual devemos compactuar – claro que elas são fortes, mas muitas vezes estão exaustas, física e mentalmente. Por isso, acredito que iniciativas que incentivam o empreendedorismo feminino, principalmente para mulheres que não têm capital inicial para investir e precisam dividir seu tempo em diversas tarefas, devem ser valorizadas. Inclusive, durante o enfrentamento de tantas dificuldades nos últimos dois anos, muitas delas se reinventaram e descobriram que poderiam trabalhar por conta própria, mesmo após o término do período de isolamento social.
Foi com este propósito que ajudei a fundar a Vendah e é com este propósito que vou seguir, empoderando mulheres financeiramente e emocionalmente, porque a liberdade financeira também reflete na liberdade afetiva.