
O vício digital começa com a ausência de presença
A infância pede atenção. E não é qualquer atenção: pede olhos nos olhos, tempo disponível, escuta
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Paulo Zsa Zsa é autor do livro “Aconteceu com minha filha” (Geração Editorial/2025). Aos 13 anos, sua filha se envolveu em comunidades online onde era acolhida por desconhecidos e incentivada a se machucar. A entrada nesse universo foi silenciosa, gradual, e se disfarçou de “vida normal de adolescente conectado”. Até o dia em que ela entrou no quarto do pai com vários cortes nos braços e pernas, pedindo para ser internada.
No livro “Aconteceu com minha filha”, assinado sob pseudônimo, Paulo conta essa história real como um alerta. Para outros pais, para professores e também para ele mesmo: “É doloroso reconhecer que, enquanto ela afundava, eu também estava mergulhado no celular, no trabalho, nas redes sociais. Na minha ausência disfarçada de presença”.
A infância pede atenção. E não é qualquer atenção: pede olhos nos olhos, tempo disponível, escuta. Quando isso falta, o mundo digital se oferece como solução rápida: ali, tudo é imediato, colorido, envolvente. Mas o que começa como distração vira vício. E o que parecia entretenimento inocente pode se tornar um buraco escuro, difícil de sair.
Paulo tem recebido muitas mensagens de pais para falar do livro. A maioria faz sempre a mesma pergunta: “Como limitar o uso do celular do meu filho?”. A resposta dele é outra pergunta: “Você está disposto a rever o seu próprio uso de tela?”. Não adianta tirar o celular da mão da criança se ela cresce vendo adultos que não conseguem largar os seus. A mudança só acontece quando é compartilhada. Quando criamos regras que valem para todos. Quando desconectar vira um pacto familiar; não um castigo infantil.
A solução para a filha de Paulo precisou ser radical. Ela ficou totalmente afastada das telas por um longo período, sem celular, sem redes sociais, sem jogos. Foi um corte difícil, mas necessário. Ele também precisou mudar: reduziu drasticamente o tempo online e estabeleceu limites para si mesmo. O problema do vício digital não está apenas nos aplicativos ou nas redes sociais; está na substituição das relações reais por conexões artificiais. Está na fragilidade do vínculo dentro de casa. E está, muitas vezes, na conveniência de evitar o conflito ao dar a tela como consolo. Quantas vezes a tela vira moeda de troca? Muitas.
Educar dá trabalho. Requer presença, limite, frustração. Mas nada disso é pior do que perder um filho para a escuridão da solidão digital. Hoje, Paulo e sua filha estão bem, mas ele aprendeu, da forma mais dura, que estar junto não é só dividir o mesmo ambiente. É estar ali, inteiro. De corpo, alma e olhar.
Nem sempre temos tempo, nem sempre temos energia, mas podemos aproveitar momentos de relaxamento, dando um colo, ouvindo músicas juntos, procurando conexões além da tela. Adolescentes querem atenção, precisam de atenção, e não precisa ser nada extraordinário - basta sentar e pedir para ouvir as músicas que eles gostam, pedir indicação de livros que eles leram e gostaram, criar oportunidades para conversas e desabafos.
Também é importante saber o que eles fazem quando estão nas redes sociais, quais aplicativos usam, com quem conversam, o que gostam de jogar? O que buscam nas redes sociais, é algo que está faltando na vida real? Existe um distanciamento entre vocês ou há conexão? Se há distanciamento, não precisa esperar algo difícil acontecer, como aconteceu com o Paulo para mudar. Deixo aqui a recomendação do livro, uma leitura difícil, impactante e necessária. Quando o adolescente está difícil, é bom pensar no provérbio: “Me ame quando eu menos merecer, pois é quando eu mais preciso”.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.